Naquele dia, procurou o carro no parque de estacionamento, acometida por uma habitual e estranha amnésia .
No meio daquelas viaturas, de todas as marcas, onde teria estacionado a sua?
A cabeça voava para longe – outros mundos por descobrir. O veículo que a conduziria não seria sólido, ultrapassaria as leis da física, qual teletransporte sem fronteiras.
Dominada por estes devaneios, observava as viaturas, alinhadas lado a lado, nos contornos desenhados no chão.
Cada uma transportava uma história, segredos por desvendar. Quiçá, pudessem contá-las, qual Kitt, carro falante. Sorria. Imaginava algumas histórias. Amores ilícitos nos estofos.
A sua história era única.
Procurava. Onde teria deixado o seu?
Imaginava-se agora numa “pão de forma” dos anos 70 – só Peace and Love.
Que monte de latas frágeis, efémeras, metáforas de vida!
Passou. Não o viu. Prosseguiu.
Parou.
Um vulto, vestido de óleo, cheiro a gasolina, voz rouca do cigarro quase engolido, aproximou-se. Tocou-lhe no ombro:
- Menina, onde estacionou o seu carro dos sonhos? Quer levar-me? Estou farto desta prisão tóxica, em troca de uns míseros trocos!
Agarrou-lhe a mão, sem medo e foram procurá-lo.
Entretanto a noite caíra, todos os carros se confundiam. Só um rasgo da luz da lua permitia vislumbrar os que ainda persistiam em pernoitar por ali.
Esquecera-se até da cor do seu.
Saberia o arrumador onde encontrar o carro dos sonhos?
Subitamente, este ser enigmático entrou numa espécie de combustão. Todo ele era labaredas de fogo e luz. Dos seus braços saíram umas asas. Seria um anjo?
Os olhos eram como estrelas fulminantes, o cheiro que exalava já não era de gasolina, mas de um perfume inigualável.
Agarrou-a pela cintura, elevando-a. Pairaram sobre o parque onde o amontoado de latas esperava que alguém as resgatasse daquela imobilidade.
A sua, algures, esquecida.
No meio das outras.
Naquele planeta estranho.
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