sábado, 20 de março de 2021

Mensagem numa garrafa


 Abriu a carta e...


Desdobrou a folha, que encontrara dentro de uma garrafa à beira mar. 

Mas...era apenas uma folha com letras e sinais indecifráveis, espalhados!

Tentou construir o puzzle, formar as frases com as palavras soltas e os sinais de pontuação. Surgiam aos poucos, díspares, sem sentido.

De repente, para sua admiração, surgiu uma mensagem, após várias tentativas frustradas! Como não tinha visto? Sempre lá estivera. Dizia: "Quando encontrares esta mensagem, lembra-te que nada é por acaso. As respostas sempre estarão visíveis, se as quiseres ver! O invisível será sempre visível para um coração aberto e uma mente consciente! "

Voltou a dobrar a carta, colocou-a novamente na garrafa e atirou-a de novo ao mar.

Do outro lado, numa praia qualquer, alguém encontrou a garrafa com a mensagem e agarrou-a.

Abriu a carta e...


segunda-feira, 15 de março de 2021

Banco de jardim


 Há muito que se sentia abandonado, só, triste e inútil, aquele banco de jardim. Questionava a razão da sua existência, o caruncho roendo-lhe aos poucos as pernas, as manchas negras sulcando-lhe a pele.

Passaram os dias em que as folhas secas que lhe caíam em cima eram o seu único e simples consolo. Depois veio a chuva, refrescando-lhe o corpo e alma solitária e esquecida.

Sentia saudades dos velhos que vinham todos os dias, apanhar um pouco de sol e sorrir à vida. Tantas histórias que escutar! Histórias de vida duras e cheias de sabedoria.

Às vezes vinha um casal de namorados e todo ele vibrava entre beijos, abraços e toques de amor.

As crianças, essas, pulavam-lhe em cima, escondiam-se atrás dele, brincavam e riam. Ele rejuvenescia dentro da sua madeira corcumida pelo tempo.

Um ou outro solitário tinha já encontro marcado com ele a certas horas de silêncio e partilhavam poesias, leituras, escritas e segredos. Eram momentos únicos.

Agora estava ali, abandonado, esquecido, esperando melhores dias. Para sua companhia, apenas umas ervas daninhas que se iam abraçando às suas pernas, e o cheiro de algumas flores que começavam a despontar.

Mas, tudo iria passar em breve.

Num bonito dia de sol, cabelos soltaram-se ao vento, louros, ruivos, castanhos, de todas as cores. Lembravam-lhe as folhas de Outono.

As borboletas soltaram-se, anunciando a Primavera e até as flores se esticaram, emanando perfumes doces e coloridos.

Uma senhora idosa, bem penteada, de sorriso no rosto, aproximava-se. 

Conheceu-a logo. Que saudades dos seus monólogos, dos pensamentos que só ele conseguia ouvir através dos fios de madeira do seu corpo!

Soltou um grito de alegria que viajou da terra ao céu. Finalmente, estava de novo acompanhado. Iria assistir ao nascer da Primavera pelos olhos de alguém. De repente, sentia-se tão macio como não se sentia há muito! Espreguiçou-se, deixando-se levar pelos pensamentos dos transeuntes.

domingo, 14 de março de 2021

Até que a vida nos separe


A primeira vez que entraste na minha cama, a noite caía, negra como breu, o escuro devastava e a lembrança da solidão tinha corroído o meu tempo.

Não sabia que vinhas e que entrarias na minha cama para me acenderes as noites e clareares a minha vida como um farol. 

Aproximaste-te como uma brisa com cheiro a mar, nas mãos macias trazias o cheiro das rosas. Os teus beijos desabrocharam na minha boca em palavras de amor.

A minha morada agora é a tua. Nela habitam dois corações acesos em chamas.

Até que a vida nos separe um dia!


sábado, 13 de março de 2021

Lucília, a mosca


-Ai! Tremo de medo, no meio desta podridão. Mas não vou desistir. 

A minha avó Larva era uma idosa muito sábia. Ela achava que neste mundo ou”se come ou é-se comido” (estas foram as suas palavras ao dar o último zumbido). 

Quando nasci, a minha mãe, D. Pupa, uma crisálida forte e linda de morrer, deu a sua vida por mim. Aí, percebi que a minha missão era grande e especial!  

Eu era uma mosquinha feia e repugnante para os outros. A primeira vez que me vi ao espelho até me assustei! Uns grandes olhos negros, enfastiados, ornavam-me o rosto.

Só gostava das minhas asinhas transparentes. Faziam-me lembrar a minha mãe.

Mas depois, quando via as borboletas, tão lindas, tão coloridas, sentia inveja de não ser como elas. Sentia-me um “patinho feio”.

Eu não acredito naquilo que a minha avó me deixou impresso no ADN. Comer para não se ser comido...que ideia!

Sei que nós, as moscas, não somos bem vistas. Enxotadas, afugentadas a toda a hora. Consideradas nojentas. 

Mas  a minha missão é demonstrar que todos fazemos parte de um Plano, de um Todo no Universo. Todos temos o nosso lugar neste planeta e somos precisos e úteis.

Mas, agora, estou a tremer de medo  neste cadáver pútrido, onde me debato com vários inimigos. A minha morte não será em vão. O assassino desta senhora será descoberto, mesmo que eu tenha que morrer.