sexta-feira, 16 de abril de 2021

D. Xica e Malacueco


 




Tinha ido visitar a lua.

Dª Xica que tinha fama de feiticeira na aldeia.

Vivia sozinha num casarão enorme e velho, grande demais para albergar aquele corpo tão enfezado.

Raramente alguém a via.

Vestida sempre de negro, um pequeno carrapito no alto da cabeça, sapatos rotos de velhos sempre a chinelar sobre uns pés magros de unhas enormes e sujas, um rosto carrancudo, olhos misteriosos, nariz adunco.

Ninguém tinha a coragem de se aproximar. Sabe-se lá porquê!

Adivinhava-se o cheiro a mofo e bolorento dentro de casa, as teias de aranha, o fumo constante da lareira. Uma imensa e negra floresta estendia-se ao redor.

O medo instigava à solidão desta enigmática personagem.

Em noites de lua cheia, sabia-se (sabe-se lá como) que saía à rua – dizia-se- saía, chinelando, pé ante pé.

Nessa noite, Dª Xica teve um arrepio de medo. Que monstro era aquele, magro, enorme, que se aproximava?

“De noite todos os gatos são pardos” – balbuciou, tremendo.

Reparou, num relance, que o pressuposto monstro nada mais era que um gato enorme, preto, que, sem medo, se aproximava. Miava, dando-lhe “marradinhas” com a sua cabeça peluda, grandes olhos verdes. Nunca nenhum ser vivo se tinha aproximado dela assim.

A paixão foi tal que o levou para casa. Malacueco ficou o seu nome.

Anos e anos de amor entre ambos se seguiram.

O gato negro seria objeto dos seus feitiços? – perguntavam-se os aldeões.

Num dia, muito negro e chuvoso, Malacueco surgiu no largo da igreja, miando aflitivamente. Ninguém sabia o motivo desse pranto gatil.

Alguém, mais afoito, resolveu ir à casa da dita feiticeira.

Numa cama de rosas, rodeada de velas, odores paradisíacos, estava uma dama, linda de morrer. Dª Xica tinha morrido. Era bela a imagem que os curiosos observavam!

O encanto desfizera-se! Malacueco não parava de miar, aflito.


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